Vestibular personalizado valoriza potencial humano do candidato

Vestibular personalizado valoriza potencial humano do candidato

Faculdade no Paraná, com mais de 90% de empregabilidade nos primeiros anos da graduação, adota avaliação individualizada na seleção

Os vestibulares no Brasil seguem, há décadas, o mesmo roteiro: provas padronizadas, foco em memorização e pressão por desempenho imediato. O formato, criado em meados do século passado, vem sendo amplamente criticado por educadores e especialistas.

Para o professor José Motta Filho, doutorando em Filosofia da Educação e pesquisador com atuação no Brasil e nos Estados Unidos, o principal  problema é o enfoque em uma prova única. “É um evento de altíssima pressão que tende a reduzir toda a complexidade da trajetória formativa a um número”, observa.

“Esse tipo de processo seletivo premia a performance sob estresse e escanteia competências como criatividade, empatia, pensamento crítico e resiliência — habilidades reconhecidas como fundamentais para o sucesso no ensino superior e no mercado de trabalho contemporâneo”, acrescenta o vice-presidente da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed), Carlos Longo.

Segundo ele, o modelo atual ainda carrega vícios históricos. “Há um viés socioeconômico enorme. Quem teve acesso a cursinhos e escolas particulares larga na frente. Além disso, essas provas ignoram contextos, trajetórias e talentos diversos”.

Inspirada nas melhores universidades do mundo, uma iniciativa do Oeste do Paraná rompe com esse padrão. A Faculdade Donaduzzi, instalada no Biopark, acaba de lançar um novo modelo de vestibular com 420 vagas para oito cursos de graduação. A proposta é ousada: um processo seletivo que avalia o estudante de forma integral, contemplando aspectos cognitivos e socioemocionais, dentro dos princípios da Educação 5.0 — abordagem que humaniza o ensino e prioriza propósito, empatia e protagonismo. 

O vestibular é dividido em três etapas que somam 100 pontos e incluem oito diferentes avaliações. A prova de redação, com peso de 40 pontos, avalia o domínio da norma culta e o pensamento crítico. Os testes de perfil acadêmico, que valem 30 pontos, analisam memória, raciocínio lógico e aprendizagem. Os 30 pontos restantes correspondem à avaliação comportamental — resiliência, entrevista individual e dinâmica de grupo —, que exploram aspectos como empatia e trabalho em equipe. “A avaliação é feita em múltiplas dimensões. Não estamos apenas interessados no que o estudante sabe, mas em como ele aprende, pensa, se comunica e se adapta”, explica a gerente acadêmica da instituição, Dayane Sabec Pereira.

Primeira etapa: prova de redação

Consiste na produção de um texto dissertativo-argumentativo em língua portuguesa padrão, com estrutura formal e entre 20 e 30 linhas. A avaliação considera critérios como clareza, coerência, coesão, argumentação e correção gramatical.

Nessa etapa, são observadas a autonomia e a maturidade intelectual do candidato, sua capacidade de refletir criticamente sobre temas sociais, políticos e culturais, bem como sua aptidão para analisar, sintetizar e articular informações de forma lógica e original. Estudantes que optarem pelo ingresso por meio da nota do Enem e candidatos que já possuem curso superior reconhecido pelo MEC ficam dispensados dessa fase.

Segunda etapa: avaliação de perfil acadêmico

  • Teste de Raciocínio Lógico (TRL)

O TRL mede a capacidade de raciocínio lógico estruturado, ou seja, a habilidade de analisar situações inéditas, identificar relações entre informações, interpretar padrões e resolver problemas com base em argumentos racionais. 

“Essa competência é central para qualquer curso de graduação e indica como o estudante lida com desafios intelectuais cotidianos”, esclarece.

  • Bateria de Percepção de Aprendizagem (BPA-2)

Avalia funções cognitivas diretamente ligadas ao processo de aprendizagem. São mensurados aspectos como atenção concentrada, alternada e dividida, além da percepção visual e auditiva, memória de curto prazo e raciocínio lógico aplicado. “Esse teste oferece pistas importantes sobre o estilo cognitivo do candidato e sua capacidade de organizar, processar e reter informações de forma eficaz”, pontua Dayane.

  • Teste de Raciocínio Geral (G-38) 

O G-38 mede o chamado raciocínio fluido — a habilidade de resolver problemas novos sem depender de conhecimentos previamente adquiridos. Segundo Dayane, o instrumento é especialmente útil para identificar a flexibilidade cognitiva e a velocidade de adaptação a novos contextos e exigências acadêmicas.

  • Teste de Memória de Reconhecimento (TEM-R-2) 

Avalia a memória visual e a capacidade de reter e reconhecer estímulos após determinado intervalo de tempo. “Essa dimensão está diretamente relacionada à assimilação de conteúdos, à concentração em sala de aula e à retenção de informações importantes ao longo do tempo”, ressalta a gerente acadêmica.

Terceira etapa: avaliação comportamental

  • Escala dos Pilares da Resiliência (EPR)

A EPR é um instrumento psicológico que mede a capacidade de resiliência — ou seja, o quanto o candidato é capaz de enfrentar situações adversas, superar obstáculos e transformar experiências difíceis em aprendizados positivos. “Trata-se  de uma avaliação estruturada, baseada em evidências científicas, que permite identificar diferentes níveis dessa competência, hoje considerada fundamental tanto no ambiente acadêmico quanto no mercado de trabalho”, destaca Dayane.

  • Entrevista Individual

Na entrevista, o candidato apresenta seu perfil, motivações, valores e expectativas. São avaliados aspectos como comunicação, maturidade emocional e motivação para estabilidade.

  • Dinâmica de grupo

Os participantes interagem em atividades colaborativas que simulam situações reais, permitindo à banca observar competências como trabalho em equipe, liderança, escuta ativa e resiliência social — isto é, a capacidade de se adaptar e colaborar diante de desafios coletivos.

Alinhamento de perfil e propósito

Essa proposta completa de avaliação busca alinhar o perfil e o propósito dos ingressantes ao projeto pedagógico da faculdade. “Nosso objetivo é promover maior engajamento, permanência e sucesso acadêmico, evitando a frustração de cursos escolhidos apenas por pressão externa ou conveniência”, frisa a gerente.

O processo respeita a diversidade cognitiva, com adaptações específicas para candidatos com neurodivergências, garantindo inclusão e equidade. “Ao considerar essas habilidades, reforçamos nosso compromisso com uma educação centrada na aprendizagem significativa, no desenvolvimento integral e no reconhecimento de talentos que, em modelos convencionais, muitas vezes permanecem invisíveis”, completa.

De acordo com o professor Motta, esse tipo de abordagem “reconhece a pluralidade de talentos que não cabe em um único domingo de prova” e aproxima o Brasil de “modelos mais justos e eficazes de seleção educacional já utilizados internacionalmente”.

Para a especialista em inovação educacional Betina von Staa, doutora em Linguística Aplicada e fundadora da BvStaa Tecnologia & Educação, a iniciativa é estratégica para diversificar talentos e democratizar o acesso ao ensino superior de qualidade.

“A decisão de ampliar os critérios de avaliação é extremamente relevante para identificar diferentes perfis de estudantes. Avaliar apenas conteúdo é uma abordagem limitada. Com instrumentos variados, é possível reconhecer histórias de vida e competências diversas — algo que as melhores universidades do mundo já fazem há décadas”, analisa.