Transparência, dados e georreferenciamento da rede escolar 

Transparência, dados e georreferenciamento da rede escolar 

A democratização da informação expõe desigualdades territoriais na rede escolar e orienta políticas inteligentes no Brasil

A desigualdade educacional brasileira tem endereço, e, cada vez mais, tem coordenadas. O avanço de políticas de dados abertos, plataformas de georreferenciamento e iniciativas de transparência ativa tem permitido revelar com precisão onde estão as lacunas da oferta escolar, quais territórios têm concentração de escolas vulneráveis e como o financiamento e o planejamento precisam mudar para reduzir assimetrias históricas.

Nos últimos cinco anos, essa virada digital ganhou fôlego: portais estaduais de dados abertos, sistemas municipais de mapeamento, dashboards públicos, integração com o Censo Escolar, indicadores territoriais e ferramentas que cruzam localização, infraestrutura, performance e contexto socioeconômico.

O resultado: um novo ecossistema de informação que não apenas torna a rede escolar visível, mas inteligível.

A força dos dados abertos na educação brasileira

O Brasil avançou de forma consistente na abertura de dados educacionais, impulsionado por três eixos:

1. INEP e Censo Escolar

O Censo Escolar segue sendo a principal base de dados da educação básica, com mais de 180 variáveis sobre estudantes, docentes, infraestrutura, modalidades de ensino e organização escolar. Em 2024, os dados estiveram disponíveis em formatos abertos (CSV), facilitando análises independentes.

2. Estados com portais públicos robustos

  • São Paulo mantém o portal Dados Abertos da Educação, com bancos de infraestrutura, matrículas, resultados e geocodificação de escolas.
  • Minas Gerais adotou padrão semelhante com dados de rede, IDEB local, infraestrutura e localização.
  • Espírito Santo disponibiliza bases com lat/long de escolas e dados completos de endereço, tipo de rede e características da unidade.

3. Crescimento do uso por pesquisadores, jornalistas e sociedade civil

Plataformas como Jeduca, CEM (Centro de Estudos da Metrópole), QEdu, Observatório da Educação e iniciativas universitárias ampliaram o uso público dessas informações, criando uma cultura de vigilância social e diagnóstico territorial.

Georreferenciamento: do mapa de escolas ao mapa das desigualdades

A geolocalização transformou o modo como a rede escolar é vista. Quando uma escola deixa de ser apenas um código no censo para se tornar um ponto no território, é possível identificar comunidades inteiras sem oferta adequada de ensino médio, mapear escolas vulneráveis em zonas de alta violência ou risco ambiental, cruzar escolarização com indicadores de renda, saneamento, mobilidade ou saúde, e visualizar o impacto geográfico da evasão, reprovação ou baixa aprendizagem.

Exemplos 

Na Região Metropolitana de São Paulo, o Centro de Estudos da Metrópole mapeia mais de 12 mil escolas públicas e privadas, permitindo visualizar clusters de baixo desempenho em bairros periféricos, concentração de escolas privadas de alto IDEB em áreas centrais, corredores de vulnerabilidade escolar ligados ao transporte público insuficiente e a relação entre oferta escolar e a densidade populacional.

Esse tipo de leitura territorial não é possível sem georreferenciamento.

Em Salvador e microrregião, um estudo recente usou dados abertos para criar redes de escolas similares (por perfil, infraestrutura e resultados), permitindo identificar áreas com forte descompasso entre população jovem e disponibilidade de vagas, escolas com infraestrutura insuficiente concentradas em regiões de vulnerabilidade e possíveis trajetórias de cooperação entre escolas com características semelhantes.

Já há plataformas estaduais que revelaram “vazios educacionais” em municípios pequenos e zonas rurais do Espírito Santo e de Sergipe, onde há longas distâncias entre comunidades e escolas, escolas multi-seriação são maioria, o transporte escolar representa parte significativa do orçamento municipal e faltam escolas com ensino médio regular.

Novos indicadores ajudam a planejar e financiar a rede com base no território

A maior novidade da última década é que não basta planejar escolas com base em número de matrículas: é necessário olhar para onde elas estão e quais contextos as cercam.

Alguns indicadores que vêm sendo adotados por municípios e estados, como:

  • Densidade escolar por km²: útil para mapear desertos educacionais urbanos;
  • Distância média casa–escola: fundamental para políticas de transporte escolar;
  • Infraestrutura crítica por território: quadra, laboratório, acessibilidade, internet, tudo geolocalizado;
  • Indicadores de vulnerabilidade territorial: renda, violência, saneamento, transporte, desmatamento em zonas rurais;
  • Taxas territoriais de matrícula, abandono, reprovação e aprovação, permitindo identificar bolsões críticos;
  • Custo aluno–quilômetro, para municípios com longas rotas de transporte escolar;
  • Projeções geodemográficas: usadas para prever onde haverá demanda nos próximos 5 a 10 anos.

Impacto no financiamento

O cruzamento de dados mostra fenômenos como escolas em territórios vulneráveis demandam mais recursos, e não menos; áreas densas exigem construção de novas unidades, não apenas ampliação; municípios com população dispersa precisam investir mais por aluno; políticas universais ignoram diferenças territoriais profundas.

Em algumas capitais, estudos, como do Todos Pela Educação e da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), mostraram que escolas em zonas periféricas acumulam até 40% menos investimento total por estudante quando somados infraestrutura, manutenção e serviços indiretos de suporte,  mesmo com o mesmo valor per capita de financiamento formal.

Quando transparência expõe desigualdade: o que os dados recentes revelam

A leitura territorial tem revelado padrões preocupantes, como a concentração de escolas vulneráveis em bairros de menor renda, oferta de ensino médio insuficiente, rotas escolares longas e inseguras e infraestrutura crítica concentrada territorialmente.

Cruzamentos de dados de São Paulo, Recife e Belém mostram que as escolas com menores notas no SAEPE, SARESP ou IDEB se concentram em regiões sem saneamento adequado, com piores índices de mobilidade, onde crianças têm menor acesso a espaços culturais e em zonas com maior violência urbana.

Municípios de PE, PI, PA e MT apresentam áreas sem escolas de ensino médio num raio de 10 a 20 km, fator decisivo para abandono escolar. Já em cidades rurais do Norte e Nordeste, rotas ultrapassam 50 km diários para crianças pequenas, elevando custos e riscos.

Dados abertos mostram que 30% das escolas sem internet adequada se concentram em áreas rurais, que escolas sem biblioteca ou laboratório se agrupam em periferias urbanas e escolas com salas superlotadas estão próximas a novos polos habitacionais mal planejados.

O que municípios têm feito com base nesses dados

Redesenho de rotas de transporte – municípios como Vitória da Conquista e Cascavel otimizaram rotas, reduzindo custos em até 18% e diminuindo o tempo de deslocamento.

Construção de escolas com base em projeções territoriais – cidades do interior de SP começaram a construir escolas próximas a novos empreendimentos de habitação popular para evitar superlotação.

Requalificação de unidades prioritárias – grupos de escolas geolocalizadas como “núcleos críticos” receberam internet de alta velocidade, reformas estruturais, ampliação de quadras e salas de recursos multifuncionais.

Monitoramento público com dashboards – alguns municípios disponibilizam painéis com vagas por bairro, infraestrutura atualizada, distâncias e resultados de aprendizagem.

Esses dashboards aumentam a transparência e ampliam o controle social.

Como jornalistas, pesquisadores e gestores podem usar essas bases

Algumas fontes públicas úteis são:

As possíveis análises que podem ser feitas são mapa das escolas vulneráveis por bairro, relação entre renda e desempenho, cruzamento de rotas escolares com evasão, mapa de oferta do ensino médio, projeções de demanda escolar por bairro/território, índices de infraestrutura por território, distribuição de escolas privadas vs. públicas e estudo de desertos educacionais.

O território educa — e também revela

Nunca a rede escolar brasileira esteve tão visível. Nunca as desigualdades foram tão escancaradas. E nunca tivemos tantas ferramentas para corrigi-las.

Transparência, dados abertos e georreferenciamento não são apenas tendências, são condições estruturais para um planejamento educacional justo, eficiente e alinhado com a realidade de cada território.

Ao colocar cada escola no mapa o Brasil, literalmente, também coloca luz onde antes havia silêncio. Governa melhor quem enxerga melhor e enxerga melhor quem tem dados.