Pesquisa inédita do Instituto Ayrton Senna indica avanços possíveis na formação e no cuidado com professores

Pesquisa inédita do Instituto Ayrton Senna indica avanços possíveis na formação e no cuidado com professores

Realizada com 43 mil professores da rede pública, estudo indica que trajetória profissional não é linear. A análise é a primeira a examinar 19 características socioemocionais e instrucionais de forma integrada

A desmotivação e a sobrecarga dos professores brasileiros se tornaram um dos principais desafios à melhoria da educação pública no país. 

Segundo o relatório Education at a Glance 2024, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), apenas 14% dos docentes no Brasil acreditam que sua profissão é valorizada pela sociedade, bem abaixo da média internacional, de 22%.

Em países como Vietnã (92%) e Cingapura (73%), a percepção de reconhecimento é muito mais alta. A UNESCO também alerta, em seu Global Report on Teachers 2024, que o mundo precisará de 44 milhões de novos educadores até 2030 para suprir a evasão e atender à crescente demanda global por ensino básico de qualidade. 

“Os professores estão desestimulados porque trabalham em condições desafiadoras, enfrentam baixos salários e, muitas vezes, não se sentem valorizados pelo papel essencial que exercem na formação das novas gerações”, afirma Silvia Lima, especialista em Educação e gerente de Advocacy do Instituto Ayrton Senna. 

Ela destaca que a valorização precisa ir além da remuneração: “É fundamental que o poder público invista em planos de carreira consistentes, programas de formação continuada e apoio emocional. Quando o professor se sente valorizado e preparado, toda a escola se fortalece”. 

Mudanças de percepção 

A docência se mantém na relação com estudantes, com comunidade e com as famílias. Por isso, de acordo com Ana Lucia Bresciane, mestre em Psicologia da Educação pela PUC-SP, coordenadora geral do ampliaekoa e diretora pedagógica do espaço ekoa, escola referência em educação integral, em São Paulo, “quando esses laços se enfraquecem, todo sentido do trabalho acaba se fragilizando”.  

Bresciane defende que o professor não deve ser tratado apenas como executor, o que tem sido cada vez mais reconhecido pelas famílias. Uma pesquisa do Itaú Social de 2025 mostra que para 36% dos pais ou cuidadores entrevistados, garantir melhores condições de trabalho aos professores é a primeira ou segunda coisa mais importante em uma escola. “As famílias passaram a reconhecer e valorizar um pouco mais o trabalho dos professores depois da pandemia, pois presenciaram de perto a complexidade de uma atividade que envolve, planejamento mediação, escuta e muita sensibilidade para sustentar vínculos e manter alunos presentes nas aulas”, revela.  

Na prática, segundo ela, a valorização começa no cotidiano: “Escutar professores, oferecer tempo de estudo, reconhecer autoria, fortalecer a equipe são ações importantes para sustentar entusiasmo e desejo para além de boas condições salarias e estruturais.  

Mas cursos pontuais não bastam, como mostra a experiência do espaço ekoa. “É preciso garantir espaços permanentes de reflexão e construção de um conhecimento coletivo nas escolas. A formação não é algo separado do trabalho, ela nasce das situações reais da prática e vai se sustentando na troca entre professores”.  

Desenvolvimento profissional não é linear 

Um estudo inédito do Instituto Ayrton Senna, realizado em parceria com a Universidade de Ghent (Bélgica), reforça a importância desse olhar para a trajetória docente. A pesquisa analisou respostas de 43 mil professores da rede pública brasileira e revelou que o desenvolvimento profissional não é linear: as competências cognitivas e socioemocionais evoluem em ritmos diferentes ao longo da carreira. O estudo mostra, por exemplo, que habilidades como comunicação e gestão de sala de aula tendem a se estabilizar após dez anos de experiência, enquanto a resiliência emocional pode diminuir com o tempo, especialmente diante da falta de apoio institucional. 

A análise é a primeira a examinar 19 características socioemocionais e instrucionais de forma integrada, e seus resultados ajudam a desenhar novas estratégias de apoio à formação e ao bem-estar docente. As conclusões se somam a dados do 14º Mapa do Ensino Superior (Semesp, 2024), que revelou que 79% dos professores brasileiros já pensaram em deixar a profissão, citando baixos salários, sobrecarga e falta de reconhecimento.

Nos primeiros dez anos de carreira, docentes costumam aprimorar habilidades de expressão e gestão de sala de aula, mas, após esse período, essas competências se estabilizam. Já a resiliência ao estresse cresce com a idade, embora diminua após muitos anos de docência. Diferenças de gênero também chamam atenção: professoras relatam níveis mais altos de empatia e conexão com os alunos, enquanto os professores mais jovens mostram maior otimismo quanto ao potencial de aprendizado dos estudantes.

“Repensar a formação e o cuidado com os docentes ao longo da carreira, considerando suas próprias características e diferentes desafios que eles enfrentam ao longo do tempo, é essencial para garantir que eles tenham não apenas o preparo técnico, mas também o suporte emocional e institucional necessário para seguirem inspirando gerações.”, afirma Gisele Alves, gerente-executiva do eduLab21 do Instituto Ayrton Senna.

A pesquisa contribui para o debate global sobre a docência e reforça a importância de incluir, nos programas de formação, o desenvolvimento das competências socioemocionais não apenas dos estudantes, mas também dos educadores.

Cuidar de quem ensina

O Instituto Ayrton Senna tem buscado transformar esse cenário por meio de programas que unem ciência, prática e políticas públicas. O pilar fundamental de atuação do Instituto é a formação de educadores, e ao longo de 30 anos de atuação, tem os professores como mais importante aliados, ao levar as soluções educacionais aos municípios em todo o Brasil. As formações são elaboradas com o objetivo de promover o desenvolvimento do professor, suas contribuições e desafios. 

Para Silvia Lima, o desafio é estrutural e precisa de continuidade. “O Brasil tem excelentes educadores, mas ainda carece de políticas de valorização que se sustentem no tempo. Sem isso, seguimos perdendo talentos e comprometendo o futuro de milhões de estudantes”. 

A especialista lembra que, segundo a OCDE, quase 80% dos professores brasileiros já pensaram em deixar a profissão em algum momento, citando a falta de reconhecimento e o excesso de trabalho como principais motivos. “Enquanto não cuidarmos de quem ensina, continuaremos discutindo resultados sem resolver a raiz do problema”, afirma Silvia. 

Ana Lucia Bresciane reforça ainda a escola e os professores precisam recuperar seu lugar de credibilidade, legitimidade e escuta qualificada. “Precisamos reconstruir um pacto de confiança social: confiar que escola sabe educar e que professor é o especialista da aprendizagem”.