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Dinheiro também se aprende: por que a Educação Financeira deve começar no Ensino Básico

Dinheiro também se aprende: por que a Educação Financeira deve começar no Ensino Básico

A Educação Financeira no Ensino Básico é essencial para formar cidadãos mais conscientes e autônomos; e deve ser inclusiva para alunos de diferentes contextos sociais

Em um mundo cada vez mais conectado e marcado por decisões financeiras complexas, a Educação Financeira emerge como elemento indispensável para o desenvolvimento integral dos jovens. 

O ensino básico é o momento ideal para plantar as sementes do letramento financeiro, que envolve a capacidade de compreender, aplicar e tomar decisões conscientes sobre dinheiro e finanças. 

Garantir que os estudantes compreendam conceitos como poupança, orçamento, juros, consumo responsável e investimentos criará cidadãos mais preparados para enfrentar os desafios da vida adulta.

“A educação financeira desde o Ensino Básico é urgente, preventiva e transformadora. Não se trata de formar pequenos economistas, mas sim cidadãos críticos e autônomos, capazes de lidar com a complexidade do mundo financeiro e econômico. O objetivo não é formar “investidores mirins”, mas cidadãos críticos, capazes de lidar com dinheiro como instrumento de autonomia e inclusão social”, ressalta o consultor financeiro, Raphael Cordeiro. 

O que é Educação Financeira, e por que ela importa

Educação Financeira é uma área transversal e interdisciplinar voltada a ensinar como gerir rendimentos, planejar gastos, consumir com responsabilidade, e lidar com crédito e investimentos. 

Seu resultado principal, letramento financeiro, refere-se à capacidade de aplicar esse conhecimento com segurança e motivação.

Esse letramento não é mero coadjuvante: pessoas com maior letramento financeiro aposentam-se com até três vezes mais renda do que aquelas sem esse domínio. Por outro lado, a ausência desse conhecimento está fortemente associada a altos níveis de endividamento, baixa poupança e menor produtividade nacional.

“Ensinar uma criança a poupar, planejar e pensar criticamente sobre consumo pode evitar uma série de problemas futuros, como endividamento crônico ou compulsão por consumo. Ensinar crianças a compreenderem o sistema econômico em que vivem é permitir que elas participem dele de forma crítica. A educação financeira emancipa, empodera e permite decisões mais conscientes sobre consumo, trabalho e futuro”, reforça o especialista.

Panorama atual no Brasil

Dados alarmantes mostram a urgência dessa inclusão:

A educação financeira na BNCC e políticas públicas

A BNCC incorpora Educação Financeira como tema transversal desde 2017, com implementação iniciada em 2020 no ensino infantil e fundamental, o ensino médio vem integrando progressivamente o tema no Novo Ensino Médio desde 2022.

Há diversas iniciativas em andamento:

Além disso, tramitam no Congresso propostas para tornar a Educação Financeira obrigatória na Educação Básica, como o PL 5.950/2023, do senador Izalci Lucas, e o PL 1.510/2025, do senador Nelsinho Trad, que destacam a urgência de combater o endividamento, fortalecer a cidadania e promover equidade social. 

Raphael esclarece que ainda há grandes desafios para serem superados, entre eles, a formação docente insuficiente, a falta de materiais didáticos contextualizados, as desigualdades estruturais e falta de financiamento e a resistência cultural e institucional.

“Esses obstáculos indicam que não basta incluir o tema no currículo: é necessário investir em formação, pesquisa e apoio pedagógico, para que a Educação Financeira cumpra seu papel de emancipação crítica e não se torne apenas um conteúdo decorativo”, destaca.

Educação financeira e inclusão: abordagens para diferentes contextos sociais

Educar financeiramente alunos de origens diversas requer adaptação e sensibilidade contextual. 

“A Educação Financeira, quando tratada de forma crítica e contextualizada, pode ser um instrumento poderoso para reduzir desigualdades sociais e promover inclusão. Ela não se resume a ensinar “como poupar” ou “como investir”, mas a desenvolver consciência sobre o funcionamento da economia, o consumo, o crédito e as relações de poder que atravessam a vida cotidiana”, explana Cordeiro.

Alunos com necessidades específicas (TDAH, TEA, neurodivergentes) se beneficiam de autonomia, organização e participação social promovidas por dinâmicas financeiras práticas, jogos físicos, sequências visualmente previsíveis e inclusão familiar no processo educativo.

A Educação Financeira, também, favorece alunos de contextos vulneráveis. Estudos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) mostram que programas escolares de educação financeira geram impacto significativo, com aumento médio de conhecimento de 0,24 desvio-padrão, bem superior a intervenções em matemática ou linguagem. Resultados incluem maior autocontrole, comparação de preços, impulso à poupança e redução de endividamento entre os pais, com inadimplência até 26% menor e melhora na pontuação de crédito em 5%.

“Atualmente, grande parte das famílias brasileiras vive sob pressão de dívidas. Segundo o Banco Central, mais de 60% das famílias estão endividadas. Ao ensinar desde cedo noções como orçamento, juros compostos e consumo consciente, a escola pode ajudar os alunos, especialmente os de contextos mais vulneráveis, a evitar armadilhas financeiras. É uma forma de prevenção estrutural da pobreza. Além disso, a Educação Financeira emancipa os estudantes ao dar-lhes ferramentas para tomar decisões conscientes em relação a crédito, trabalho e consumo. Isso reduz a dependência de práticas predatórias (como o empréstimo informal) e amplia a capacidade de planejar o futuro”, complementa o consultor financeiro.

Essas evidências mostram que a educação financeira é uma poderosa ferramenta de inclusão social, capaz de elevar a qualidade de vida e a equidade.

Desafios e recomendações

Os principais obstáculos identificados

Mas, para haver avanço, é preciso que tenhamos algumas ações sendo executadas de forma efetiva, como a capacitação massiva de professores, com formação prática e continuada; políticas públicas que ampliem o alcance dos programas, especialmente em redes públicas e territórios vulneráveis, uso de metodologias ativas, lúdicas e contextualizadas, jogos, projetos interdisciplinres, simulações e ligação com a vida cotidiana; foco na equidade, garantindo que o tema seja acessível a todos os alunos, independentemente de recursos, habilidade ou contexto familiar; e integração curricular contínua, Educação Financeira como processo permanente, não evento isolado.

“As metodologias mais bem-sucedidas para engajar crianças e adolescentes são as ativas, experienciais e contextualizadas. O ensino tradicional em sala de aula falha em Educação Financeira porque trata um tema prático, comportamental e emocional como se fosse uma matéria teórica, abstrata e puramente racional. Uma criança ou adolescente não se motiva a aprender sobre taxas de juros, por exemplo, se isso não estiver conectado a um desejo imediato, como comprar um videogame, um celular novo ou planejar uma viagem. A teoria sem aplicação prática parece irrelevante para suas vidas. A educação financeira é, acima de tudo, comportamental. Envolve autocontrole, gestão de impulsos, procrastinação e emoções como medo e ansiedade”, finaliza Raphael Cordeiro.

A educação financeira no ensino básico não é apenas desejável, é essencial. Quando dinheiro deixa de ser tabu na escola, torna-se ferramenta de cidadania. E garantir que crianças e adolescentes aprendam sobre ele com ajuda de professores preparados, metodologias contextualizadas e sensibilidade social, é preparar um futuro mais justo e consciente para todos.

Com impacto comprovado na vida das famílias e da sociedade, capacidade de reduzir desigualdades e promover autonomia, esse tema precisa ser tratado como prioridade na agenda educacional.

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