Como o desenvolvimento humano fortalece a cultura de diálogo nas escolas

Como o desenvolvimento humano fortalece a cultura de diálogo nas escolas

As lideranças precisam ampliar sua escuta, aprimorar a comunicação e reconhecer o papel do desenvolvimento humano na construção de ambientes mais saudáveis e colaborativos

Em tempos em que o ambiente escolar é desafiado a lidar com múltiplas demandas — pedagógicas, emocionais e relacionais — o fortalecimento das lideranças e da cultura de diálogo se torna um imperativo estratégico e é um dos caminhos mais promissores para transformar relações, processos e resultados institucionais.

Este artigo apresenta o percurso vivido em uma rede escolar privada, a partir da experiência realizada no Colégio Galois, localizado em Brasília, com 42 gestores de 3 diferentes unidades, ao longo de sete meses de trabalho. O processo combinou encontros formativos, mentorias individuais e práticas individuais e coletivas voltadas ao autoconhecimento, à escuta ativa e à comunicação empática.

O projeto nasceu da percepção de que as dificuldades de comunicação, os ruídos interpessoais e os diferentes estilos de liderança estavam interferindo diretamente no clima organizacional e na fluidez dos processos internos da escola. Mais do que oferecer formação, a proposta buscou criar um espaço de escuta, reflexão e transformação coletiva, unindo autoconhecimento, diálogo e corresponsabilidade.

O programa teve início com a aplicação de uma pesquisa de clima organizacional, que revelou tanto aspectos positivos — como o sentimento de pertencimento e o engajamento — quanto desafios relacionados à comunicação interna, à confiança e ao alinhamento entre equipes. Esse diagnóstico serviu como ponto de partida para um percurso de desenvolvimento voltado à integração entre teoria, prática e reflexão pessoal, criando condições para que a liderança se fortalecesse a partir da consciência de si e das relações que estabelece.

A escuta, compreendida sob a perspectiva da Ontologia da Linguagem, foi tratada não como uma técnica de comunicação, mas como um ato de presença, reconhecimento e abertura ao outro. Escutar, nesse sentido, é criar espaço para que o outro exista no diálogo, permitindo que novas interpretações e possibilidades emerjam da interação.

Essa visão desloca a escuta de um lugar instrumental para um campo relacional e ético, no qual a qualidade das conversas determina a qualidade das relações e das decisões. Adotar essa postura transforma profundamente o modo como as lideranças se comunicam, constroem confiança e promovem ambientes mais colaborativos e empáticos — pilares essenciais para uma cultura organizacional saudável e sustentável.

Ao longo dos sete meses, foram realizados cinco encontros formativos, presenciais e online, com o propósito de ampliar a consciência individual e fortalecer a cultura de diálogo e colaboração entre os gestores. Cada encontro foi estruturado a partir de uma sequência evolutiva de aprendizagem, que partia do autoconhecimento, passava pela comunicação interpessoal e chegava à escuta ativa e consciente — pilares do desenvolvimento humano e organizacional.

O primeiro encontro teve como base a conversa sobre o modelo DISC, criado por William Moulton Marston (1928), que propõe quatro dimensões predominantes do comportamento humano: Dominância (D), Influência (I), Estabilidade (S) e Conformidade (C). Essa ferramenta foi aplicada não como um rótulo, mas como um espelho de autopercepção, permitindo que cada gestor reconhecesse seus padrões naturais de comportamento, suas forças e seus pontos de atenção na liderança. A análise individual das devolutivas e a discussão coletiva sobre os perfis favoreceram uma compreensão mais empática das diferenças e ampliaram a capacidade de leitura das dinâmicas de equipe.

Em muitos relatos, os gestores destacaram o impacto de “se ver no perfil” e de compreender como suas intenções poderiam ser percebidas de formas distintas pelos outros — um movimento essencial para o exercício da liderança consciente.

Os encontros seguintes aprofundaram a dimensão comunicacional sob a perspectiva da Ontologia da Linguagem, de Rafael Echeverría (1994), que compreende o ser humano como um ser de linguagem e entende que “as conversas constroem realidades”. Foram trabalhados conceitos como juízos e fatos, escuta e comunicação assertiva, promovendo uma prática reflexiva sobre como nossos hábitos de linguagem e nossos julgamentos automáticos moldam as relações no ambiente de trabalho.

Uma das dinâmicas mais marcantes foi a prática de escuta, na qual os participantes, em duplas, exercitaram ouvir sem interromper, aconselhar ou reagir. A experiência gerou percepções poderosas sobre a dificuldade de escutar com presença e sobre o quanto, na rotina da liderança, a escuta é frequentemente substituída pela resposta imediata.

Em outro momento, a reflexão sobre juízos e fatos revelou como os gestores, muitas vezes, transformam percepções subjetivas em verdades absolutas — um ponto que fragiliza a confiança e bloqueia o diálogo. Casos reais e simulados ajudaram o grupo a reconhecer os riscos da rotulagem e da generalização, além de estimular o uso de perguntas abertas e escuta empática como caminhos de reconstrução da comunicação e da cultura organizacional.

Os encontros foram, portanto, espaços de experimentação viva — onde teoria e prática se entrelaçaram para fortalecer uma nova forma de convivência profissional: mais consciente, respeitosa e cooperativa.
As mentorias individuais foram um dos eixos centrais do programa. Cada gestor pôde aprofundar seu plano de desenvolvimento (PDI), com base nas reflexões dos encontros e no resultado do DISC. As conversas trouxeram à tona temas como equilíbrio emocional, gestão de conflitos, priorização e propósito profissional.

Os relatos revelam o quanto o espaço individual foi essencial para traduzir conceitos em ações reais e sustentáveis. As mentorias revelaram padrões recorrentes entre os perfis:

– A tendência a altos níveis de exigência e autocobrança.
– A dificuldade em delegar e confiar plenamente na equipe.
– O desafio de equilibrar empatia com assertividade.
– A necessidade de expressar vulnerabilidade como força, e não como fraqueza.

O último encontro do ciclo foi dedicado à apresentação comparativa das duas pesquisas de clima organizacional e à reflexão coletiva sobre os avanços e desafios na comunicação interna. A partir dos resultados, os gestores participaram de um trabalho em equipe de análise, identificando falhas, acertos e oportunidades de melhoria nas formas de se comunicar e colaborar. Esse exercício culminou na criação de um plano de ações práticas voltado à melhoria dos fluxos de diálogo e à integração entre áreas.

Como fechamento simbólico, o grupo construiu um pacto coletivo, reunindo compromissos e atitudes desejadas para fortalecer uma cultura de respeito, confiança e cooperação no ambiente escolar. Mais do que um documento, o pacto representou a tradução coletiva de uma mudança de consciência.

O processo vivido no Colégio Galois reforça a ideia de Michael Fullan (2001) de que a mudança sustentável nas instituições ocorre quando as pessoas mudam juntas. A cultura não se transforma por decreto, mas por meio de experiências compartilhadas de escuta, reflexão e ação intencional. O trabalho desenvolvido mostrou que ao investir na formação socioemocional de suas lideranças e equipes, a escola amplia sua capacidade de cuidar de si para cuidar melhor de seus estudantes. A escuta, a empatia e o diálogo passam a ser não apenas valores, mas práticas que se refletem na convivência, na tomada de decisões e no próprio clima organizacional.

Essas aprendizagens dialogam com a pesquisa de mestrado que realizei (Martinelli, 2024) que investigou o desenvolvimento de competências socioemocionais em professores da educação básica e seu impacto no clima e na cultura escolar. O estudo reforça que investir em processos formativos voltados ao autoconhecimento e às relações interpessoais é um caminho efetivo para fortalecer vínculos, dar sentido ao trabalho e transformar a cultura institucional. Assim, o que se iniciou como um programa de liderança e comunicação revelou-se um movimento de humanização — um lembrete de que a escola também é um espaço de aprendizagem para quem ensina.

Investir em desenvolvimento humano não é um luxo. Na verdade, é um ato de coerência institucional. Quando a escola aprende a cuidar das pessoas que cuidam, cria-se um ciclo virtuoso: o diálogo floresce, a confiança se consolida e a cultura se torna viva, sensível e sustentável.