Estudos mostram que não há impacto significativo na aprendizagem, mas há redução nas taxas de evasão
Por Antônio Góis
14/07/2025 03h30 Atualizado há 3 dias
Na semana passada, a comissão de Educação da Câmara aprovou um projeto de lei que proíbe a organização em ciclos nas escolas brasileiras. O texto ainda vai ao plenário, faltando outras etapas para a sua aprovação. Mas é um tema recorrente, e volta e meia surgem políticos levantando a bandeira do fim da “aprovação automática”, creditando a ela uma piora na qualidade do ensino. As melhores evidências disponíveis, porém, contradizem essa tese.
A possibilidade de organização em ciclos foi uma inovação da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), aprovada em 1996. Um dos objetivos era combater a repetência, mal crônico brasileiro, dando mais tempo para que o aluno possa recuperar a aprendizagem, antes de ser retido numa série. Pode-se criticar a maneira como foi implementado em diversas redes, mas trata-se de um modelo presente em países desenvolvidos, e defendido historicamente por educadores de diversas correntes pedagógicas. No Brasil, nem todos as redes adotaram, e sua aplicação ficou concentrada nos primeiros anos do ensino fundamental.
Em 1995, portanto um ano antes da aprovação da LDB, os percentuais de alunos com aprendizagem adequada em língua portuguesa e matemática no 5º ano do ensino fundamental eram, respectivamente, de 39% e 19%. Os últimos dados disponíveis, referentes a 2023, mostram que esses percentuais estão hoje em 55% e 44%. São ainda inaceitáveis, mas a comparação histórica mostra que, utilizando a mesma régua, estamos melhores — ou menos piores —hoje.
Outra tese aventada no senso comum — e ecoada por algumas lideranças políticas —é que o sistema educacional passou a produzir mais analfabetos funcionais por causa da aprovação automática. De novo, vamos às evidências. O melhor índice para avaliar a qualidade da alfabetização da população adulta é o Inaf. Fazendo um recorte apenas dos brasileiros que ao menos completaram o ensino fundamental ou iniciaram o médio, na faixa etária dos que tinham entre 25 e 34 anos em 2024 (e que, portanto, ingressaram no ensino fundamental já a partir da vigência da nova LDB), o percentual de analfabetos funcionais é de 15%. É, de novo, um patamar inaceitável, mas inferior aos 25% registrados no grupo de 50 a 64 anos. Há, portanto, mais analfabetos funcionais entre os egressos do sistema educacional do passado.
Esses grandes números nos dão pistas, mas as evidências mais rigorosas vêm de estudos que investigaram com mais profundidade o efeito dos ciclos na aprendizagem. Em geral, eles mostram que não há impacto significativo (nem para pior, nem para melhor), mas há redução nas taxas de evasão. A literatura acadêmica é ainda mais contundente em relação aos efeitos da repetência na aprendizagem: em geral, é uma estratégia ineficaz, com sérios efeitos colaterais, como o aumento da evasão. Ao longo de todo o século XX, o Brasil abusou dela (chegamos a ostentar níveis similares ao de países da África subsaariana), sem que isso resultasse em mais qualidade.
Cogitar voltar ao passado, proibindo redes de adotarem ciclos, em nada contribui com o gigantesco esforço que temos pela frente para melhoria da qualidade do ensino.
Extraído integralmente do O Globo
